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Wulfric manteve a aceleração de sua vespa mesmo quando percebeu que acabara de entrar no território do spriggan. Não havia tempo para se preocupar com as preferências do Povo da Floresta quanto ao nível de barulho permitido ali. Pelo que sabiam, Torithen planejava atacar o Bosque e aquilo poderia muito bem estar acontecendo agora.

Suas costas e ombros doíam por causa da tensão que sentia e suas mãos suadas escorregavam constantemente do acelerador, precisando ser reposicionadas de minuto a minuto. Seus dedos doíam por causa da posição constante em que se mantinham e ele não via a hora de poder flexioná-los livremente. Não houve sequer uma pausa desde que saíram da loja do troll-anão e o esforço começava a dar câimbras no garoto.

Blitz se segurava na traseira da moto e tentava se manter o mais afastada possível do corpo do rapaz. Mesmo assim, quando Wulfric passava por uma lombada de mal jeito ou caía em um buraco sem querer, sua recompensa era um choque elétrico direto em suas costas, quando os corpos dos dois se tocavam. Ele fora obrigado a se acostumar com o disparo inconsciente da garota, pelo menos o suficiente para não se abalar muito, mas das primeiras vezes que acontecera, por pouco não foram ao chão com vespa e tudo.

Aura decidiu por não gastar sua energia, temendo o que poderiam encontrar a seguir. Três pessoas seriam demais para a vespa de Wulfric, mas a moto suportava duas pessoas e uma andorinha sem problemas. A animorfa equilibrava-se num pequeno arco de ferro perto do velocímetro do veículo, as asas bem fechadas e a pequena cabeça abaixada, cortando o vento.

O contorno do bosque do spriggan logo surgiu no horizonte e Wulfric acelerou, ansioso por se livrar de toda aquela tensão.

Aura foi a primeira a descer, transformando-se ainda no ar e aterrissando em forma de elfa na terra fofa da frente da morada de seu mestre. Wulfric e Blitz ainda desmontavam da vespa quando ela correu para a choupana gritando:

– Mestre! – E mudando para kaline. – Nan Makar! Nan Makar!

Ela não demorou para sair dali com expressão preocupada.

– Não estar aqui!

Wulfric cogitou dizer palavras tranquilizadoras quando um cheiro familiar atingiu suas narinas. Um odor quase abstrato, como se ele farejasse eletricidade ou a luz do sol ou mesmo o Véu.

Mana.

A mesma que havia sentido quando seguira o rastro de Torithen, mas ainda assim diferente. Antes ela formava uma trilha condensada pela mata. Agora, espalhava-se como poeira em uma ventania.

– Blitz, você consegue sentir? – ele perguntou sem olhar para a garota.

– Sim. Está por todos os lados, mas não consigo descobrir a origem.

– Ali. – Ele apontou para onde a mana estava mais forte. – Eu consigo mesmo nessa forma. – Ele indicou seu estado humano com um aceno.

– Fiquem alertas – Blitz disse e começou a caminhar na direção mostrada por Wulfric.

O jovem assentiu e logo pôs-se na frente para poder guiar as garotas, seguindo o cheiro ao mesmo tempo que procurava por qualquer movimento suspeito entre as árvores.

Quando o bosque se abriu em uma clareira, a fonte da mana tornou-se clara.

No centro da clareira, uma lâmia serpenteava sobre um círculo mágico desenhado sobre a terra com areia rubra e pedras cinzentas marcadas com runas. Quatro cristais de koriandita fincavam-se no chão, nas quatro pontas de uma estrela circunscrita no círculo.

A criatura logo à sua frente lembrava as descrições que Wulfric havia lido sobre lâmias, mas ver a faerie em carne e osso era algo completamente diferente.

A lâmia tinha o torso que se assemelhava ao de uma elfa-guerreira, forte e esbelto, mas sua cintura se difundia lentamente para a forma da cauda de uma serpente descomunal. Seu rosto tinha traços ofídicos, dono de um nariz pequeno e pouco protuberante com narinas estreitas como fendas. Seus olhos possuíam as írises amareladas cortadas por pupilas negras verticais e sua boca era fina e discreta. Apesar da estranheza que aquele rosto lhe causava, Wulfric não podia evitar em ver certa beleza ali, como há beleza em uma serpente mortal. Sua pele tinha um tom quase rosado próximo ao rosto, escurecendo e ganhando tons esverdeados até a linha do quadril, onde as características élficas acabavam por completo. Pequenos seios se escondiam por trás de longas mechas de uma cabeleira negra e volumosa. Uma simples tiara de ouro descansava sobre a cabeça da criatura. Seus braços eram esguios e suas mãos guardavam dedos longos e garras afiadas. Apesar de a parte élfica chamar bastante atenção, era a cauda da criatura que mais se distinguia. Wulfric suspeitava que, esticada, mediria cinco metros ou mais. Era formada por músculos fortes e escamas resistentes, pintadas por um padrão simétrico de cores naturais. Afinava gradualmente até sua ponta, onde descansava um chocalho que lembraria o de uma cascavel, não fosse sua forma triangular, suas bordas cortantes e sua ponta afiada.

Seguro por apenas uma das mãos da lâmia, o corpo de um elfo da floresta agonizava, espuma manchando sua boca semiaberta, veias grossas e esverdeadas recobrindo seu pescoço delicado.

O ritual que libertara a criatura parecia ter acabado há minutos e a lâmia ainda se recompunha. Ela virou-se ao falar:

– Nan Makar. C’tha tvo nan Makar, teneli?

O jovem permaneceu calado até perceber que a lâmia havia falado com ele. O garoto virou-se para Aura:

– Ela… está falando comigo?

– Acreditar que sim.

– Por que eu?

– Você estar perto… Talvez…?

O tom de dúvida na voz da animorfa não o deixou nada seguro.

– E o que foi que ela disse?

– Humanos – Uma voz áspera e rouca rastejou para fora dos lábios finos da lâmia. – Vocês continuam tão primitivos quanto eu me lembrava. – Uma leve ênfase aos “S” das palavras fazia parecer que a criatura sibilava cada vez que falava. – Apesar de que você não parece ser puro… – Uma língua bifurcada surgiu do interior de sua boca e provou o ar. – Animorfos. Você e a jovem elfa. Isso explica a impureza de seus cheiros. – Ela voltou a lamber o ar. – Elfos, pixies, dríades e um spriggan. Escória kalini. E… – A lâmia encarou Blitz e piscou, suas pálpebras movendo-se na horizontal como as de uma cobra. – O que é você? – Sua língua deslizou para fora novamente. – Você tem cheiro humano, mas há algo mais… Algo… Errado…

Blitz não respondeu, mas seu desconforto diante das palavras da criatura era evidente.

– Não importa – a lâmia voltou a falar. – Eu havia lhe perguntado quem é seu líder, criança.

Wulfric engoliu a saliva.

– Você fala a língua comum?

A lâmia revirou os olhos, impaciente.

– Eu já tive inúmeros escravos humanos. Uma das coisas que aprendi com eles, foi a língua dos homens. Outra, foi que eles são arrogantes o suficiente para chamá-la de “comum”, como se fossem as criaturas mais preciosas deste mundo, ao invés de meros roedores. Agora responda minha pergunta, criança, pois eu não a farei uma terceira vez.

– O mestre destes jovens não está aqui. – A voz do spriggan soou às costas de Wulfric e logo a velha criatura pôs-se ao seu lado, falando na língua comum, provavelmente para o entendimento dos jovens. – Mas se você se refere ao mestre deste lugar, este seria eu.

– Ah, o spriggan cujo cheiro macula todo este bosque. Você parece ter passado de seu auge há várias décadas, velho Senhor da Floresta. Devia pensar em passar seu manto de folhas para alguém mais jovem.

– O corpo do jovem elfo que você segura com tanto desmazelo seria esse alguém – o spriggan disse tristemente.

A lâmia franziu a testa e girou o rosto de Torithen para encarar seus olhos agora mortos.

– Ora, é mesmo? – ela indagou ao arremessar o elfo no chão, como um boneco quebrado. – Então você tem um péssimo gosto para escolher servos, velho spriggan.

A expressão de dor no rosto amadeirado do Senhor da Floresta fez o coração de Wulfric doer. A velha criatura caminhou até o corpo de Torithen e ajoelhou-se sobre ele.

O jovem teve a impressão de ver seiva escorrer dos olhos da velha criatura, mas aquilo podia muito bem ser um truque da luz.

A lâmia continuou a falar:

– Este elfo teve a audácia de me libertar e logo em seguida exigir minha obediência. Teve a coragem de ordenar a mim, uma rainha por direito. Eu lhe dei uma morte mais rápida do que ele merecia.

– Rainha? – Wulfric perguntou surpreso.

A lâmia bufou.

– Suponho que vocês não têm culpa de ser ignorantes quanto à minha identidade. Mas devo acrescentar que é completamente ultrajante ter de me apresentar por conta própria. – A faerie adotou uma postura mais ereta. – Eu sou Nagina, Rainha de Naga e Senhora das Lâmias e dos Homens-Serpentes.

Wulfric franziu o cenho ao ouvir a introdução da lâmia. Ele sabia quem ela era. Na verdade, qualquer faerie com o mínimo de interesse na história de seu mundo deveria conhecer aquele nome. Nagina fora a última rainha soberana do Reino de Naga, antes que esse fosse destruído pelos anões em uma guerra que durara anos. O conflito foi iniciado pelas lâmias, mas finalizado pelos anões e era tão famoso quanto a Guerra das Rosas de Hominum.

Wulfric só percebera agora que ela falara, mas a lâmia realmente possuía uma aura régia ao seu redor. Portava-se sempre ereta e seu tom de voz era calmo e autoritário. Ele se perguntou se Trag sabia o que vendera para Torithen, mas duvidava muito. Se soubesse que a própria Rainha de Naga estava aprisionada no pergaminho em sua posse, não a venderia para um simples elfo. Haveria colecionadores dispostos a dar um rim por algo assim, sem falar nos próprios integrantes do clã da lâmia.

– Responda-me – Nagina exigiu. – Em que ano estamos?

O spriggan ainda velava o corpo de Torithen e por isso Wulfric interveio:

– Você… Você conta os anos como nós? Eu quero dizer, a partir do fim da Guerra Entre Mundos?

– Como todos o fazem, sim, criança. Que outra forma haveria de fazê-lo?

– Bem, em Hominum a maioria das pessoas usa um calendário diferente. Lá seria o ano 199–

– Eu não me importo com isso! Responda-me!

– 4856 anos após o Colapso! – Wulfric apressou-se em dizer.

Os olhos estreitos de Nagina se arregalaram ao ouvir aquelas palavras. Sua boca abriu-se lentamente e depois fechou-se em uma linha fina. Ela olhou para baixo e respirou fundo, como alguém que tenta segurar as lágrimas. Naquele momento, a criatura pareceu belamente humana aos olhos de Wulfric.

– Entendo – ela finalmente disse. – Mais de seiscentos anos eu estive naquela Prisão de Papel. – Ela encarou o spriggan. – Minha terra… O Reino de Naga, ainda vive?

O Senhor da Floresta descansou o corpo de Torithen em um pedaço de terra que Wulfric poderia jurar não estar tão gramado e florido como estava agora. Fechou os olhos sem vida do elfo com seus dedos longos e finos e se levantou, dirigindo-se à lâmia:

– Mesmo depois do que você fez a um dos meus, cara Nagina, eu espero que acredite quando digo que eu sinto muito lhe dizer que não. Não conheço muitos detalhes, mas é conhecimento comum em Kalinae que Naga deteriorou-se após seu desaparecimento, Rainha das Lâmias. Mesmo os livros de história contam da sua morte.

– Morte? – Nagina riu. – Pelas três faces de Nagajara, eu não tive a sorte de receber tal sina, velho spriggan. Meus captores acreditavam que eu seria mais valiosa como uma refém do que como um cadáver. Por isso fui selada neste pergaminho maldito com nada mais do que minha própria consciência como companhia. Os primeiros anos foram os piores. Neles eu ainda tinha percepção da passagem do tempo…

Wulfric estremeceu só de pensar em como seria receber tal castigo.

– Sinto muito, grande rainha – o spriggan disse.

– Eu não preciso de sua piedade! – a lâmia sibilou com veneno na voz. – Agora diga-me: onde estou?

– Isso é difícil de dizer. Estamos em vários lugares e apenas em um ao mesmo tempo.

– Eu me pergunto se o gosto por enigmas vem junto com a idade… Seja mais claro, velho spriggan.

– Estamos em Linsel, cara Nagina.

A lâmia demonstrou uma centelha de surpresa por trás de sua máscara de calmaria. Olhou às suas costas, acima das copas das árvores, para a cortina de névoa que demarcava a fronteira da cidade.

– A Cidade da Neblina… Entendo agora. Eu pensava ser apenas uma lenda. E pensei que ela seria mais… moderna depois de quatro milênios de existência.

– Este é apenas nosso bosque. Preferimos os modos antigos e simples de se viver. A cidade no centro do território provavelmente estaria mais próxima do que você imaginou.

– Entendo.

O spriggan deu um passo à frente, vestindo uma expressão mais séria ao mesmo tempo que acertava o chão com sua bengala retorcida.

– Agora, cara Nagina, diga-me você: o que pretende fazer? Eu não desejo ser impertinente, mas você matou um dos meus. Normalmente este ato seria imperdoável vindo de um kalini que não é da Floresta, mas meu povo é pacífico e eu estou velho demais para lutar. Acredito que terei de relevar seu ato de violência, pelo bem dos meus e de minha terra. Portanto, peço que saia do nosso bosque. Como pode ver, você assusta seus habitantes.

O Senhor da Floresta acenou para os vários rostos temerosos de elfos, dríades, familiares e pixies que assistiam à troca de palavras escondidos atrás dos troncos ou nas copas das árvores.

Nagina olhou suas próprias mãos e pareceu pensar por um minuto. Respirou fundo antes de dizer:

– Eu passei todos os meus anos conscientes naquela prisão planejando minha vingança contra meus inimigos e seria impensável não executá-la agora. O que vou fazer, velho spriggan, é meu dever como uma rainha.

– Que seria?

– Restaurar meu reino e então obliterar a raça maldita que o destruiu em primeiro lugar.

– Isso não a levará a lugar algum, cara Nagina. A vinganç–

– E para isso – a lâmia o interrompeu –, eu necessito de súditos leais e um local apropriado para reunir os descendentes de meus guerreiros e formar um exército. Um lugar como este – Ela abriu as mãos, acenando para o bosque ao seu redor. – Isolado de Kalinae e desconhecido pela maioria. – Nagina encarou o Senhor da Floresta e havia uma ameaça clara em seus olhos de pupilas verticais. – Velho spriggan, eu peço que você e seus servos fiquem fora disso. Eu não desejo machucá-los, mas sim tê-los todos como aliados. Jurem lealdade a mim e serão meus servos ao invés de meus escravos.

O silêncio que se seguiu foi quebrado pela pessoa que Wulfric menos esperava, por ter ficado calada todo aquele tempo.

Blitz arqueou uma de suas sobrancelhas ao dizer:

– Você fala como se pudesse derrotar todos aqui sem dificuldade alguma.

Se Nagina ficou surpresa com o comentário da garota, não deixou transparecer em seu rosto ofídico.

– Se digo isso, criança, é porque tenho certeza que posso.

Blitz sorriu.

– Por mais que a garota não fale por nós – o spriggan interveio –, devo concordar com ela. Temo que não possamos simplesmente lhe ceder nosso lar, cara Nagina. Somos um povo pacífico, sim, mas até nós temos nosso orgulho.

A lâmia fitou o chão ao dizer:

– Entendo… Então vocês não me deixam outra escolh–

– Você não pode fazer isso! – Wulfric demorou alguns segundos até compreender que o grito havia saído de sua própria boca.

Nagina o encarou, incrédula.

– O que você disse, criança? Quão insolente você é para dizer a mim o que posso ou não posso fazer?

– Eu… – O jovem tentou não gaguejar. Suas mãos começaram a tremer e ele cerrou os punhos com força. – Eles não fizeram nada! Mesmo Torithen… Mesmo com segundas intenções, ele foi o responsável por te libertar daquele pergaminho. E você já se vingou dele. Todo o resto do Bosque é inocente. Eles apenas vivem tranquilamente, sem fazer mal a ninguém. Há famílias inteiras aqui. Crianças! Você não pode atacar um lugar à sangue frio desse jeito simplesmente por ganho próprio!

– Ora, ora… Você realmente é jovem… e ingênuo. Diga-me, criança: qual motivo a História diz que foi dado pelos anões para que eles atacassem meu reino? Mesmo eu que estava aprisionada posso pressupor sem muita dificuldade.

Wulfric sentiu uma armadilha escondida nas palavras de Nagina, mas mesmo assim respondeu o que os livros lhe contaram:

– Vocês… atacaram um embaixador do povo deles.

A risada sibilante que deslizou dos lábios da lâmia não foi de escárnio, mas de legítima diversão.

– É claro. Era de se esperar uma desculpa do tipo… – ela disse ao se recuperar. – Eu não ataquei um embaixador, criança. Eu matei um mensageiro. Um mensageiro que havia trazido a mim um acordo de rendição para uma guerra que nem sequer havia sido proclamada.

– O quê?

– Uma ameaça vestindo a pele de um tratado de paz com os anões. “Entregue seu reino e seu povo não sofrerá os terrores da guerra”, era isso que as entrelinhas do contrato diziam. Havia famílias em Naga também, sabia? Crianças e idosos. Mães e pais.

– Mas por quê?

– Porque meses antes, uma mina de koriandita foi descoberta em minhas terras. E os anões são famintos por koriandita, acredite. Este cristal amaldiçoado alimenta suas magias, suas ferramentas e seus autômatos pagãos. E tudo que se põe em seu caminho é destruído.

O jovem foi incapaz de esconder a incredulidade que o afligiu. Ele não sabia em quem acreditar. Os livros diziam uma coisa e a rainha que participara da guerra dizia outra. Ela poderia muito bem estar mentindo, mas ele não via motivo para isso. E se estivesse dizendo a verdade…

Wulfric não podia concordar com a atitude de Nagina de qualquer maneira, mas podia compreendê-la. Ela havia sido atacada, seu reino destruído e seu corpo preso por séculos. Ela estava com raiva e provavelmente confusa. E por isso ameaçava fazer o mesmo ali, antes de levar sua vingança para Nympharum.

O ciclo da violência se repetia.

– Eu sinto muito – ele disse cabisbaixo.

A ofensa na expressão da lâmia foi verdadeira.

– Eu não preciso de sua pena, criança! Prefiro sua obediência. A sua e a da outra animorfa. Se puderem se transformar em serpentes, darei a vocês cargos a altura em Nova Naga. – O sorriso que brincava nos lábios de Nagina sumiu quando ela encarou Blitz. – Já a outra garota… Bem, temo que não haja lugar em meu reino para alguém com um olhar tão atrevido quanto o dela.

Os cantos dos lábios de Blitz curvaram-se em um sorriso convencido e ela acenou com a cabeça.

Wulfric lançou um olhar inquisitivo para Aura e a elfa respondeu sua pergunta silenciosa com um leve negar da cabeça: ela não se submeteria à Nagina.

O garoto girou o rosto, fitando o spriggan e os outros faeries ao seu redor. Todos possuíam a mesma expressão: eles não desistiriam sem lutar. Aquilo o deixava admirado e temeroso ao mesmo tempo. Pelo que bem entendia, ninguém do Povo da Floresta, com exceção talvez do spriggan, sabia lutar. E mesmo que os habitantes do bosque estivessem em maior número, Nagina parecia confiante de que poderia matar todos ali e provavelmente com razão. O Povo Serpente era uma raça guerreira reconhecida como uma das mais perigosas de Nympharum.

Havia apenas uma pessoa ali capaz de bater de frente com a Senhora das Lâmias e Wulfric não precisou olhá-la para saber o que a garota pensava. Ele conhecia Blitz há um mês apenas, mas fora o suficiente para entender que a jovem não era intimidada facilmente. Pelo contrário, ela parecia buscar sempre o caminho que a levaria para uma batalha, como um mercenário viciado em adrenalina.

Wulfric encarou Nagina ao dizer:

– Me desculpe, mas vou ter que recusar sua proposta e acredito não ser o único. Eu não posso deixar você machucar essas pessoas e… Para falar a verdade… Eu queria pedir para que você fosse embora, por favor. Se você recorrer à violência, não posso garantir que não vai sair ferida. Na verdade… – Ele observou Blitz, que punha-se de braços cruzados em sua visão periférica. – Eu não posso garantir que você sairá viva.

Blitz deu um passo à frente colocando-se logo ao seu lado, como se ilustrasse a afirmação feita com nada mais que sua mera presença.

Nagina sorriu tristemente.

– É realmente uma pena. Você tem coragem, criança, apesar de também ter medo. E sua eloquência não é de toda ruim. Poderia ser um diplomata em meu reino. Sim… Realmente uma pena…

Wulfric sentiu o disparo de eletricidade estática percorrer seu braço antes mesmo de sentir a mão enluvada de Blitz lhe empurrar para o lado. O jovem caiu na terra gramada ainda tentando compreender a ação da garota que já rolava para o lado oposto. Ela acabara de empurrá-lo sem razão alguma?

O entendimento veio na forma da cauda de Nagina e de seu chocalho fincado no solo, exatamente onde Wulfric estivera um segundo atrás. A lâmia ergueu a cauda lentamente e gotas púrpuras pingaram de sua ponta afiada. A cor das plantas ao redor mudou de verde para marrom em um instante.

Veneno escorria sobre a grama.


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